RABISCOS QUASE PERIPATÉTICOS – parte I

Por Dartagnan da Silva Zanela (*)

(1)
Toda sociedade é organizada para a obtenção de algum ganho. Seja ele lícito ou ilícito; espiritual ou material; digno ou indigno, as pessoas quando se reúnem o fazem entorno de algo, cientes ou não disso.

Por isso, é sempre importante perguntarmos o que reúne e mantém um grupo de indivíduos unidos. A resposta a essa pergunta ajuda, e muito, a compreendermos as intenções dos caiporas reunidos e nos permite antecipar as ações dos mesmos que se congregam e, contra outros, precipitam-se num acirrado combate no âmago de uma sociedade.

Entretanto, jamais as pessoas poderão organizar algo que dê frutos entorno delas mesmas, a partir de seus desejos mesquinhos. Se um grupo de indivíduos procede assim, o que ele conseguirá, de fato, é a sua gradual autodestruição moral, espiritual e, em alguns casos, a sua destruição física, por colocarem o amor a si mesmo acima do amor ao próximo.

(2)
Para compreender questões de ordem política é sempre salutar esforçarmo-nos no intento de remontar às origens dos fenômenos para sermos, desse modo, capazes de construir em nosso horizonte de entendimento uma visão clara, e de conjunto, das ações desse cunho.

Remontar às origens de algo é tão só e simplesmente conhecer o caminho percorrido por aqueles que agem no presente; é conhecer as ligações e compromissos firmados por esses para que eles existam desta forma e não doutra; é conhecer a finalidade de todas as ações, muitas delas contraditórias quando vistas isoladamente, mas que tem um objetivo à atingir quanto analisamos o conjunto das ações devidamente articuladas a partir da causa originária.

Enfim, ignorar essa prática, tão simples quanto trabalhosa, é agir de modo leviano e presunçoso frente aos dilemas e desafios políticos que nos são apresentados.

(3)
A família é - segundo Aristóteles - uma sociedade natural, a reunião dum homem com uma mulher, com sua prole, em torno dum domínio. Essa sociedade natural é uma das grandes forças que se contrapõem as sedições advindas das coletividades e que se opõem aos abusos do poder Estatal. Se abolirmos os domínios familiares e aceitarmos com naturalidade que o Estado seja a entidade dominante sobre o universo familiar, não apenas essa micro-sociedade irá degringolar, mas também, com o tempo, a própria sociedade como um todo. Mutilando-se a família, os indivíduos irão vergar sua alma sob os flancos totalitários do Estado moderno. Na verdade, já estamos.

(4)
A comunidade é uma organização natural ao ser humano. O que constitui uma entidade dessa magnitude é o fato de as crianças, das gerações futuras, alimentarem-se do mesmo leite. Não apenas do mesmo alimento físico, mas também e principalmente, do mesmo leite espiritual; dos mesmos valores e das mesmas tradições. São eles, os valores em comum e as tradições cultivadas que dão forma a uma comunidade.

Logo, um agrupamento humano onde os infantes e, consequentemente, os adultos, não tenham em comum um conjunto de valores e tradições que os faz ser e agir como uma comunidade, pode até ser chamada de sociedade, mas esse agrupamento não passará duma massa amorfa. Uma massa disforme de indivíduos atomizados facilmente manipuláveis.

(5)
O que define a natureza de alguma coisa é o seu fim. A finalidade de algo determina a razão de existência deste. Por isso, é de fundamental importância perguntarmos sobre a finalidade de tudo, de nossos atos e da vida como um todo. O fato de não identificarmos uma resposta clara para questões dessa monta não significa que elas não são cabíveis. Significa apenas que estamos a viver e a encarar os fatos de nosso devir por esse vale de lágrimas como se tudo estivesse sendo disposto ao acaso e sem razão alguma. Esse tipo de atitude, por sua deixa, reflete apenas nossa desídia existencial, não a ausência de sentido das coisas da vida vividas e testemunhadas por nós.

(6)
Negar todos os laços que nos ligam a pátria, enxovalhar tudo aquilo que nos unem a um passado comum sob e égide de estarmos construindo uma sociedade justa e perfeita a partir de nossas ideias abstratas; ideias essas tão ocas quanto tolas do que seja a perfeição e a justiça é uma atitude mui glorificada na sociedade atual como se essa fosse uma forma decantada de cidadania.

Bem, eis aí mais um ledo engano da atualidade. Um terrível equívoco. Aliás, nada é mais contrário a dita cuja da cidadania do que uma atitude dessa monta.

Colocar-se como fundador duma nova ordem, apresentar-se como um novo marco zero duma sociedade é tão só uma manifestação soberbamente egolátrica que nega o direito a voz e vez para as gerações que nos antecederam; coloca em risco o futuro dos nossos concidadãos que estão por vir e, tudo isso, feito em nome de duvidosos ideais bondade e justiça apresentadas com uma gama de poses postiças de bom-mocismo que são encenadas por uma trupe que confunde chiliques afetados com a própria realidade.

(7)
Não devemos confundir a mera emissão de palavras com o uso apropriadamente humano delas. Muitas vezes, a forma parca com que os indivíduos utilizam as palavras é tão bestial que elas apenas expressam, através de confusos vocábulos, uma sucessão de desordenada e contraditória de emoções epidérmicas.

Uma prosa assim, mesmo dita e escrita com uma relativa elegância, não passa duma “fala” animalesca, similar ao ladrar dum cão que é capaz de dizer que está com fome ou carente de afagos, mas é incapaz de indagar sobre algo que vá além dos pragmáticos estímulos do momento.

Enfim, podemos dizer que, atualmente, não são poucos os indivíduos humanos que caninamente tentam comunicar-se entre humanos, e para esses, os seus mais profundos anseios canídeos.


 (*) professor e cronista.

Site: http://dartagnanzanela.webcindario.com/

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