CONTANDO DAS PEDRAS ALVAS DO CAMINHO

 Por Dartagnan da Silva Zanela

(1)
Todo aquele que não sabe respeitar a memória dos mortos não sabe viver de maneira respeitável.

(2)
Não existe imagem que mais eleve a nossa alma do que a visão de uma criança que, espontaneamente, ajoelha-se diante de uma lápide, beija-a, e em seguida coloca-se a rezar. Não há visão que mais nos revele sobre o mistério da vida que a imagem de um mancebo sentado diante de uma lápide; mergulhado em um oceano de preces e saudades que banha o seu rosto iluminado por amendoados olhos marejados de lágrimas.

(3)
A realidade da morte nos humaniza; a sua presença nos eleva do lodo bestial da banalidade cotidiana que tão facilmente coloca em primeiro plano todo ordem de futilidades.

(4)
A moralidade de um povo vê-se estampada, cristalizada, no zelo que esse aufere aos cemitérios. Quando maior for o zelo pelas lápides, jazigos e mausoléus, mais evidente é a elevada moral dos indivíduos que compõe a sociedade e integram os poderes constituídos. Quanto maior o descaso pelos finados cidadãos, mais decadente é sociedade e mais corrupto são aqueles que estão encastelados nas entranhas do poder. Enfim, a cidade dos mortos nos revela claramente como vivem aqueles vagueiam pelos caminhos e descaminhos dos vivos.

(5)
O desejo irascível por justiça é o caminho mais rápido e eficaz para realizarmos o contrário de nosso justo anseio.

(6)
A dedicação aos estudos e o esmero na realização dos mesmos não é, nem no infante, muito menos no adulto, um mero adorno existencial. É parte integrante dessa. É seu alicerce.

(7)
Devemos combater, sem cessar, a compulsão irascível que habita em nós e que nos arrasta para o meio dos círculos de palpiteiros que tagarelam sem parar e sem parar pra pensar no que estão falando. Para tanto, é de fundamental importância que reconheçamos que em muitíssimos assuntos nossa ignorância é praticamente absoluta; noutros tantos ela, nossa ignorância, é relativa e, por isso mesmo, não pode e nem deve ser encarada como algo que nos autorize a falar com arrogância. Enfim, se assim procedêssemos, compreenderíamos que não temos muito coisa pra dizer. Na verdade, descobriríamos, desconcertados, que muito do que falamos, não tem nem de longe a importância que julgávamos ter.

(8)
Todo aquele que não escreve com compaixão, por inteiro, deve temer as paixões que vertem de seu tinteiro.

(9)
Quem não se encanta com a simplicidade duma flor silvestre desencanta toda a abóbada celeste com seu parvo olhar.

(10)
A morte é uma grande dádiva pedagógica que o Sapientíssimo utiliza para nos educar, para nos libertar de nossa baixeza existencial. Se a sombra do crepúsculo de nossos dias não estivesse latente em nossa peregrinação por esse vale de lágrimas, dificilmente compreenderíamos nossa pequenez diante da criação e, bem provavelmente, não seriamos capazes de contemplar a luz da eternidade celeste.

(11)
A ganância e a inveja são as duas forças profundamente idolatradas no mundo contemporâneo. Aqueles que adoram a primeira acreditam que não devem satisfação de nada sobre seus ganhos e que esses, por mais vultosos que sejam sempre são poucos. Já aqueles que veneram a segunda acreditam candidamente que sua incapacidade seja uma espécie de excelsa virtude. Na verdade, na maioria dos casos, esses indivíduos são tão gananciosos quando os do primeiro grupo, porém, incapazes de dar dó e, por isso mesmo, invejosos.

(12)
Ensina-nos Hermann Hesse que se realmente desejamos conhecer uma determinada verdade devemos também entender o seu necessário sentido contrário, pois, se não somos capazes de cogitar o que seja o mal, como podemos estar seguros do bem que afirmamos conhecer? Se não somos capazes de imaginar a extrema feiura como podemos estar certos de que o belo com o qual nos deleitamos não seja apenas uma reles deformidade estética? Enfim, se não estamos dispostos a testemunhar tudo o que contraria a verdade que julgamos conhecer, como podemos afirmar que ela seja tão veraz quando dizemos ser?

(13)
A finalidade da vida humana não está em seu término, mas para além dele.

(14)
Somente os idiotas acreditam saber tudo e, por isso, sempre tem um palpite furado sobre todas as coisas. Palpite esse que ele sempre relativiza ao mesmo tempo em que relativiza tudo que lhe digam, tudinho mesmo, pouco importando o que seja dito, pois o que realmente interessa para ele é disfarçar a sua congênita estupidez.

(15)
Nada tenho contra as interpretações levianas que muitos chamam orgulhosamente de “opinião própria”. O que se torna difícil de engolir é que esses tipos de biltres, que tanto abundam com seus diplomas sem valor, é que eles acreditam, e querem que todos creiam, que suas “opiniões próprias” sobre a realidade, são mais reais que a própria realidade.

(16)
Os cretinos querem recuperar hipócrita e magicamente com palavras tudo aquilo que morreu e fedeu em suas porcas almas.

(17)
O verdadeiro filósofo é sempre objeto de difamação e escárnio; odiado com toda bile dos falsos profetas políticos e combatido por todas as jumenticas forças dos fanáticos de todas as alcovas ideológicas.


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